Uma das grandes características da composição no renascimento italiano (Séculos XIV a XVI) foi o desenvolvimento da perspectiva com ponto de fuga central. Essa representação resumia o ideário da filosofia humanista: um sujeito racional, centrado e coerente, com um único ponto de vista central, equilibrado e estável. Os artistas Perugino e Leonardo da Vinci são a expressão máxima desses princípios.
Na contramão temos o movimento artístico francês do Cubismo (1907-1914), idealizado por Pablo Picasso e Georges Braque, que defendia um sujeito pós-estruturalista, intrinsecamente deslocado e dividido, em desacordo com o meio e com múltiplos pontos de visão. O Cubismo antecedeu a Primeira Guerra Mundial, período de grande conturbação social, conflitos operários, ascensão das ideias capitalistas e socialistas, industrialização, o desenvolvimento das tecnologias e a capital Paris se tornou o centro cultural do mundo (Belle Époque). A composição cubista tem planos geométricos entrecortados que reconstroem formas que se apresentam, simultaneamente, em vários ângulos nas telas.Uma visão das vistas do objeto, de frente, de perfil, posterior e inferior se apresenta na tela. Essa mudança de paradigma tem sido vista como uma subversão ao modelo masculino, branco e eurocêntrico de ver o mundo, negando um único ponto de vista e uma abertura para novas possibilidades de pensamento.
Observe a obra renascentista Entrega das chaves à São Pedro, de Pietro Perugino. Cristo entrega as chaves (autoridade) do céu a Pedro (primeiro Papa), onde temos três planos: a frente o grupo da direita representa os 12 apóstolos e o grupo da esquerda são homens romanos e florentinos; no grupo ao centro aparece a Cena do Tributo, à esquerda, e o Apedrejamento de Cristo, à direita. Ao fundo o Templo de Salomão no centro e o arco romano do Triunfo de Constantino. Em seguida, está o traçado das linhas de fuga da composição com o ponto central.
Entrega das chaves à São Pedro, Perugino, 1481/82, 335 x 550 cm, afresco na Capela Sistina, Vaticano, Itália. |
Entrega das chaves à São Pedro - linhas de fuga com ponto central. |
Agora veja a pintura Les Demoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso, obra que deu início a corrente cubista. São representadas cinco prostitutas da rua de Avignon, Barcelona. Duas estão em pé abrindo as cortinas, duas deitadas olham o observador e uma sentada de costas. Seus nus são desprovidos de sensualidade. Elas são caricatas, distorcidas, angulosas. Rostos de frente, nariz de perfil, com influência das máscaras africanas. A tela parece uma superfície de vidro quebrada, os corpos parecem esculpidos com machado, acentuando a expressão. Essas são características de uma nova sociedade, múltipla em seus olhares e influências, prenúncio do que seria a idade moderna.
Les Demoiselles d’Avignon, Pablo Picasso, 2,44 x 2,34 m, óleo sobre tela, 1907.