sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

MANIFESTO PARA ARTE DE MANUTENÇÃO


Entre 1973 e 1975, a artista americana Mierle Laderman Ukeles realizava ações performáticas em museus, onde ela fazia "faxinas" que buscavam questionar o papel do artista, os processos de fabricação e manutenção da arte, o lugar das mulheres artistas e as questões sociais e raciais ignoradas pelas instituições museológicas.

Como feminista, a artista discutia o status do trabalho de manutenção que inclui ações como limpar, lavar, cozinhar, tanto no espaço doméstico, quanto no público, e que são desconsideradas pela sociedade que não remunera essas funções ou paga baixos salários. 

Suas performances consistiam em realizar essas atividades nos espaços museológicos de arte: "Meu trabalho, será o trabalho", afirmou em seu manifesto.

Washing/Tracks/Maintenance, Mierle Laderman Ukeles, 1973,  ação realizada no Wadsworth Atheneum Museum of Art. Foto: Cortesia da artista e Ronald Feldman Fine Arts, Nova Iorque.


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE ASSÉDIO

Por Jana Xavier

Há alguns dias pensei em escrever sobre o assédio que nós mulheres frequentemente somos vítimas, mas desanimei diante do sentimento de inutilidade da iniciativa. Porém hoje, ao ouvir o desabafo da moça do caixa do supermercado, me solidarizei com ela e, por uma questão de sororidade, decidi expressar nossos sentimentos comuns. A verdade absoluta é que nenhuma mulher em nossa sociedade consegue alcançar seus 15 anos sem passar por esse constrangimento e, infelizmente, muitas, bem antes disso, já se depararam com essa situação desagradável. 

Tive avó, mãe e tias, tenho cunhadas, sobrinhas, professoras, alunas e amigas e falo em nome de todas elas, pois independentemente de idade, características físicas, formas de se vestir ou se comportar, teremos que ouvir gracejos, receber olhares, presenciar gestos e até toques inconvenientes, nos lugares e nos momentos mais impróprios e inesperados. 
Não é possível apontar um tipo de homem que age dessa forma, pois encontramos essa conduta em todas as classes sociais. Particularmente, já ouvi “cantadas” de pedreiros, mecânicos, mendigos, colegas de trabalho, anônimos, mas também de médicos, professores, pastores e até alunos.

O inoportuno não poupa suas primas, pacientes, clientes, alunas, colegas de trabalho, vizinhas e, especialmente, as desconhecidas que encontra nos ônibus, nas ruas e no comércio são seu objeto principal de ofensiva, sob a confiança da impunidade. Nem mesmo a hierarquia reprime o indiscreto, prova disso está no fato de que somos atacadas por chefes e subordinados. Também temos que conviver com esse aborrecimento em todos os lugares: em casa, no trabalho, na escola, no consultório, na igreja, no transporte, nas praças, enfim, não estamos livres em lugar algum.  

Mais bizarro do que isso são os preconceitos e os distúrbios sociais derivados dessa atitude masculina e que todas testemunham e aprendem ao longo da vida: ser culpabilizada pela ofensa recebida; sentir-se receosa ao entrar em ambientes onde há homens sozinhos ou em grupo; ter que adotar uma postura fechada ou deselegante; controlar o vestuário, as palavras, expressões e comportamentos naturais para não ser “mal interpretada”; fazer-se de “desentendida” para evitar maiores transtornos; indignar-se e perceber que não há o que fazer; e mentir ou ocultar de pais, maridos e colegas o abuso sofrido. Ou seja, nos acostumarmos a “engolir” essas situações como se fossem “normais”. 

Não pensem que não sabemos distinguir um elogio de uma cantada. Todas gostamos de ouvir palavras agradáveis e gentis, que nos elevam, nos encorajam, nos valorizam, nos edificam, enquanto as gracinhas impertinentes nos diminuem, nos ofendem, nos desanimam e nos objetificam.   
   
Se você é mulher me entenderá plenamente, se é homem e respeita as mulheres da sua vida, porque felizmente esse mal não acomete a todos, talvez se sinta surpreso e incomodado. Não tenho a pretensão de que essa minha confissão faça algum abusador refletir e mudar seu perfil, sou incrédula demais para isso, mas quem sabe num futuro distante, se nos unirmos nesse propósito e se a humanidade ainda estiver nesse mundo, as mulheres possam ser mais valorizadas, respeitadas e protegidas. 
Por enquanto, por questão de solidariedade e empatia levarei este texto à moça do supermercado, pois talvez assim ela sinta que suas queixas foram ouvidas por alguém que a entendeu completamente. 



terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A MORTE NAS OBRAS DE CHRISTIAN BOLTANSKI

O artista francês Christian Boltanski trabalha com a temática da memória e da morte em suas obras, numa tentativa frustrada de preservar a vida. “Eu tento tanto preservar a vida, mas a verdade é que sempre falhei”, confessa o artista. Para a exposição "Invento: As Revoluções que nos Inventaram", realizada em 2015, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, Boltanski criou uma instalação site-specific intitulada "Crepúsculo" composta de 480 lâmpadas incandescentes. A cada hora uma delas se apagava definitivamente até todas se extinguirem marcando o encerramento da mostra. A instalação não apenas discutiu o fim da lâmpada incandescente, mas levou a reflexão sobre a finitude de todas as coisas.

Crepúsculo, Christian Boltanski, instalação para a exposição "Invento: As Revoluções que nos Inventaram", 2015, Parque do Ibirapuera SP. Fonte: https://vejasp.abril.com.br/atracao/invento/